Vida intensa na João Neves

A nona e última entrevista do projeto Memorial Jneves Digital foi realizada em plena tarde do feriado de Corpus Christi, dia 15 de junho, entre 15h30 e 17h30.  Ao longo dessas duas horas, conversamos com a ex-aluna Márcia Rosana Severo Patel. As razões para o bate-papo ter rendido tanto e enriquecido esse trabalho, você confere a partir de agora.

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Márcia Patel. Foto: Acervo pessoal.

Aos 56 anos, Márcia trabalha atualmente na 24° Coordenadoria Regional de Educação e foi diretora do Museu Municipal de Cachoeira do Sul.  No que tange ao período escolar, estudou até a terceira série na Escola Cândida Fortes Brandão, na zona norte da cidade. Entre 1970 e 1971, o pai dela comprou um apartamento próximo à então Escola Normal João Neves da Fontoura. A partir da quarta série, passou a frequentar o grande prédio da Ramiro Barcelos, uma instituição de referência para a cidade e região.  Em um primeiro momento, houve um choque de realidade, afinal, o novo educandário sequer lembrava a simplicidade e calmaria do anterior.  Ficou até 1979, sempre no turno matinal.

No primeiro ano de João Neves, a sala de Márcia se localizava no Anexo.  Era um prédio de madeira em formato de “C”, com quatro cômodos destinados às séries iniciais, localizado frontalmente às quadras. De acordo com a ex-aluna, o assoalho e as classes eram feitos do mesmo material que a construção.  As classes, por sinal, possuíam um furo em uma das pontas para tinteiro e espaço para cadernos e livros.  Suas professoras iniciais foram Tânia Pohlmann Möller e Itagira Avena de Oliveira.  Esse espaço existiu até o começo da década de 1990, quando foi demolido e substituído por um de alvenaria, de dois andares. Conhecido como Joãozinho, foi inaugurado em 1996.

Ainda na quarta série, participou de coral infantil comandado pela professora Eloia Dickow. No Natal, foi cantada, em alemão, uma canção com referências aos personagens da Disney.  Nessa época, o uniforme era composto por uma saia de tergal, estilo xadrez Pied de Poule (Pé de Galinha em Francês), camisa branca, casaco vermelho com detalhes em dourado e meia branca.

O pátio dos anos 1970 possuía uma quadra poliesportiva,  grande cancha de areia, pista de atletismo nas laterais. Marcavam presença também árvores como seringueira e Glicínia,  essa, uma trepadeira volúvel.  Havia também um bebedouro de cimento, localizado próximo ao portão de acesso à pracinha da Educação Infantil.  Conforme recorda Márcia, como as torneiras eram viradas para cima, os alunos pirracentos as deixavam ligadas e molhavam os mais distraídos.

Em certa oportunidade, uma editora promoveu um concurso de redação com o intuito de divulgar uma coleção de livros de língua portuguesa. Os vencedores ganhavam exemplares e medalhas. Márcia foi agraciada com uma medalha de honra ao mérito e, em uma época de condições financeiras limitadas, utilizou o prêmio para  convencer seu pai a adquirir a coleção completa, com lições gramaticais, verbos, adjetivos, entre outros assuntos.

Nossa entrevistada foi conselheira de sua turma em pelo menos duas oportunidades. Integrou também o Departamento Social do Grêmio Estudantil Euclides da Cunha (GEEC), em uma época de forte atuação da entidade. A hora do recreio era embalada por canções do período como Sailing, do cantor britânico Rod Stewart.  Ela participava dos ensaios da banda, como espectadora. Geralmente, eles aconteciam na quadra da escola.

Às vésperas de importantes eventos,  se estendiam até o local onde hoje se localiza a Feira Livre Municipal.  Todavia, o aumento do trajeto não agradava os integrantes.  Utilizavam-se os calçados “Conga” e “Bamba”, leves, finos e/ou emborrachados, simples e até feios.  Essas características não combinavam com a irregularidade dos paralelepípedos, o que dificultava o cumprimento das ordens do Mór.

Ao chegarem no ensino médio, os alunos cursavam as disciplinas básicas do currículo no primeiro ano.  A partir do segundo,  podia-se optar por  três cursos: Magistério, Enfermagem e Técnico em Agricultura.  Nesse caso, cada um tinha seus conteúdos específicos.  Disciplinas como Psicologia e Biologia Educacional, ministradas, respectivamente, pelos primos Alfredo e Orlando Pena,  faziam parte do Magistério. No âmbito da vestimenta feminina, a saia era azul marinho, camisa listrada azul e branca, blusão fechado na cor vermelha. A extinta Malharia Marconi confeccionava os blusões. A empresa foi  responsável por vestir os alunos das principais escolas da cidade na época.

Uma especial rivalidade entre escolas existia na década de 1970. A Escola Normal João Neves da Fontoura e o Colégio Marista Roque  mediam forças nos times de Handebol e nas Bandas.  No que diz respeito à modalidade esportiva, Márcia marcava presença na torcida.

Para arrecadar fundos para uma viagem de estudos à Torres, feiras de Trabalhos Manuais eram realizadas. Nelas, eram vendidos os produtos  de cerâmica, artesanato e outros materiais criados durante as aulas.  A sede das produções era a sala onde hoje está o Laboratório do Curso Normal, no último pavimento da instituição.

A professora Maria Aparecida, de Filosofia, foi marcante. Paulista, a educadora possuía, segundo Márcia, um estilo despojado, fora dos padrões, marcado pelo uso de roupas elegantes e grande beleza. Sua inteligência era principal virtude. Dotada de um conhecimento gigantesco, ela tinha a capacidade de transmitir absolutamente tudo que sabia, mas sem tornar a matéria chata.

Bronca dos caseiros

Entre 1944 e 1977,  o casal  Valdomiro e Coraldina da Silva residiu na escola. Eles desempenharam as funções de zeladores, porteiros e serventes. Cuidaram da instituição como se dela fossem os proprietários.  Um episódio protagonizado pela turma de Márcia, no entanto, tirou-os do sério.  A sala em que estudavam ficava bem acima da casa  dos caseiros. Em uma manhã, qualquer  os alunos arrastaram tanto as classes que o lustre  do casal começou a balançar demais.  Bravo, Seu Valdomiro subiu e solicitou que a diretora Itassusa Avena de Oliveira tomasse providências.  O saldo final foi uma sonora bronca para Márcia e seus colegas.

Hemeroteca

Durante muito tempo, a escola contou com uma sala denominada Hemeroteca. Esse espaço servia como um complemento à Biblioteca. Nele, havia uma enorme quantidade de recortes de jornais e revistas, essenciais para as pesquisas dos estudantes em um período sem a facilidade da internet.  As professoras Leonor Falkenberg, Lélia Facchin e Zoé Dias eram as responsáveis por abastecer o acervo e supervisionar o uso consciente do material.

Tia Malvina

Uma característica de Márcia Patel  são as suas detalhadas lembranças das fisionomias da maioria das pessoas com quem conviveu ou passou pela escola na mesma época. Tia Malvina, uma senhora mulata, de cabelos grisalhos, está entre elas.  Como dissemos em uma postagem anterior,  foi uma cozinheira de mão cheia.  Além disso, era muito querida e prestativa com os alunos. A memória da nossa entrevistada diz respeito aos “espetaculares pastéis” feitos por Tia Malvina. “Antes do bar abrir, já ficava próximo a janela por causa do cheiro”, recorda.

Com um sorriso estampado e ao olhar para o imponente prédio septuagenário da rua Ramiro Barcelos, Márcia Patel deixa ainda mais claro o seu carinho pelo Instituto Estadual de Educação João Neves da Fontoura:

“Me vi criança e adolescente na João Neves. Primeira amiga foi feita na escola. Outras amizades nasceram e são cultivadas até hoje.  Adorava ir ao colégio. Lá, realizei muitas descobertas, me fiz gente. Por tudo isso e para a minha trajetória, a escola foi fundamental”.

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